Golpe 64 | Preservar a memória é fundamental para evitar novas práticas ditatoriais

1º de abril de 2018, marca o aniversário de 54 anos do início da ditadura militar no Brasil. A data é referência de uma memória marcada pela opressão e pelo capítulo mais traumático da história recente do país. 
 
Segundo dados da Comissão Nacional da Verdade (CNV), que se encerrou no final de 2014, o número oficial de mortos no Brasil durante a ditadura é de 434. Desse total, 210 foram considerados desaparecidos.  
 
Mas a realidade da noite que durou quase 21 anos (1964-1985) vai muito além dos dados oficiais. Segundo o pesquisador José Carlos Moreira da Silva Filho, da Faculdade de Direito da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS), muitos dos episódios de violência não chegaram a ser catalogados.  
 
“Existem algumas questões que ficaram em aberto, que não foram aprofundadas, por uma série de razões, seja pela falta de condições, de tempo, de interesse político ou até pela dificuldade mesmo do fato”, complementa.
 
Segundo registros históricos, as violações de direito foram as mais diversas no período: desde ameaças e prisões arbitrárias até casos de estupro, sequestro, tortura e execuções sumárias. Líderes sindicais, políticos e estudantis eram os alvos preferidos dos ditadores, que temiam o contraponto e as denúncias de violações.
 
Mas outros grupos também foram atingidos. É o caso dos indígenas. Apesar da ausência de estatísticas seguras, a CNV estima que, pelo menos, 8.350 mil deles tenham sido mortos em decorrência da ação direta de agentes governamentais ou da sua omissão.
 
O presidente do Movimento Justiça e Direitos Humanos, Jair Krischke, explica que os assassinatos estavam diretamente relacionados à resistência diante da construção de estradas que avançavam sobre territórios indígenas. Nesse contexto, tiveram destaque as obras da rodovia Transamazônica, que corta sete estados.  
 
“Eles foram eliminados de várias formas por estorvarem um projeto da ditadura. Foram vítimas por serem indígenas e estarem ali em situação de defender a terra onde viviam”, afirma Krischke.  
 
Camponeses também foram duramente oprimidos, em especial os que se organizavam nas chamadas Ligas Camponesas, que lutavam por melhores condições de vida na zona rural. Segundo dados da Comissão Pastoral da Terra (CPT), somente entre os anos de 1980 e 1981, houve cerca de mil conflitos agrários, com mais de 1,5 milhão de pessoas vítimas de ameaças e outras violências.  
 
Krischke destaca que o contexto de repressão política ampliou a criminalização da luta agrária, atingindo fortemente os trabalhadores do campo. “Foi uma das primeiras preocupações da ditadura, que agiu fortemente para liquidá-los”, ressalta.
 
Exílio
 
A violência dos militares provocou a mudança de jornalistas, políticos e outros atores que se exilaram no exterior para fugir da repressão. O Movimento Justiça e Direitos Humanos, por exemplo, chegou a ajudar mais de 2 mil casos de pessoas ou famílias que buscaram abrigo fora do país.
 
 “Desde os primeiros momentos da perseguição da ditadura, em 1964, começamos a tirar os brasileiros perseguidos e levar especialmente para o Uruguai”, narra o presidente da entidade.    
 
Imprensa
 
A opressão ao trabalho de jornalistas também é uma marca do período. A Comissão de Anistia, do Ministério da Justiça, traçou o perfil das violações à atuação da imprensa a partir de uma amostra selecionada para estudo.
 
Numa análise de 50 casos de anistia política concedida a profissionais perseguidos, foram identificados 129 episódios de perseguição, uma média de 2,5 para cada jornalista.  
 
 “A imprensa naquela época teve muitos focos, espaços de resistência e de atuação que procuravam avançar um pouco além da censura, que era muito forte”, conta o pesquisador José Carlos Moreira da Silva Filho.
 
Segundo o levantamento, a violação mais presente foi o monitoramento do trabalho por parte dos órgãos de repressão, com 32,5% dos casos. Em seguida, vêm as prisões, com 23,3%, e, depois, os casos de tortura, que representam 12,4%.  
 
Dos processos analisados, houve ocorrência de clandestinidade e cassação de direitos políticos a 10% dos jornalistas pesquisados. Além disso, 9,3% acabaram exilados para fugir da repressão.
 
Um dos casos mais emblemáticos é o do jornalista Vladimir Herzog, assassinado em 1975 por agentes da ditadura. O caso, que permanece impune, foi levado à Corte Interamericana de Direitos Humanos e deve ser julgado nas próximas semanas.
 
No entanto, o pesquisador José Carlos Moreira da Silva Filho ressalta que a grande imprensa assumiu um comportamento ambíguo no período.  
 
 “[Ela] teve um papel de maquiar o golpe, de emprestar veículos e recursos das próprias empresas de comunicação para os agentes da repressão, de publicar notícias falsas que, na verdade, eram pra encobrir assassinatos de presos políticos”, salienta.
 
Memória
 
Diante do histórico da ditadura e do acúmulo de experiências com o tema, Jair Krischke, que é referência na luta pelos direitos humanos, considera que o país precisa agora promover políticas de valorização da memória histórica relacionadas à ditadura.
 
Ele considera fundamental a luta contra todas as formas de opressão, para evitar novos regimes ditatoriais. “Nós temos que produzir vacinas politicas, pra que nunca mais se repita essa tragédia que acometeu no Brasil”, finaliza.

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